sábado, 19 de setembro de 2009

O RETORNO DO JOGO-2

Desde os tempos coloniais o jogo sempre esteve incrustado nas tradições brasileiras. Se assim não fosse, D. João VI, ao chegar ao Rio de Janeiro, não estabeleceria o monopólio estatal da fabricação de baralhos, em 28 de maio de 1808, antes mesmo de fundar o Banco do Brasil e outros melhoramentos que lhe são atribuídos. O objetivo era, como sempre, crescimento da arrecadação. A ementa do decreto rezava: “Aumentar as rendas reais, para com elas acudir às urgentes necessidades do Estado”.

As corridas de cavalos, casas de jogo, cassinos, clubes e outras manifestações de nossa inclinação lúdica, proliferavam ao final do Império e primórdios da República, no Rio de Janeiro. O Jogo do Bicho, fundado na linha divisória entre os dois regimes é outra manifestação tradicional de nossa propensão ao risco, ao jogo e à aposta. E, até mesmo nas regatas, de fins do século XIX, bookmakers bancavam risco sobre que barcos sairiam vencedores em cada páreo.

Contrariando a índole popular, medidas administrativas, e policiais, de caráter puritano sempre perseguiram o jogo, seus agentes e adeptos. A tal ponto que o jogo serviu de mote ao nascimento do primeiro samba, em 1917. A letra rezava: “O Chefe da Polícia pelo telefone mandou avisar, que na Carioca tem uma roleta para se jogar, etc.” Desde logo, ficava escancarada a cumplicidade e leniência policial com o jogo subterrâneo, como até hoje.

A partir dos 1920, iniciou-se a proliferação de cassinos em estações de águas e cidades à beira-mar, admitidos e legalizados pela legislação da época, que visava estimular o turismo interno. A fase dourada se estendeu por 15 anos, entre 1930 e 1945, coincidindo com a ditadura e primeiro período de Getúlio Vargas no poder.

A existência legal do jogo em cassinos justificava, moralmente, a banca do bicho por homens de finanças e donos de casas bancárias. Até então, esta atividade não era coisa de bandidos, marginais ou quadrilheiros, mas de bookmakers que não resolviam com sangue suas disputas ou desavenças.

Na próxima matéria, daqui uns dois dias, vou analisar o fim do jogo, suas justificativas e conseqüências.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O RETORNO DO JOGO-1

Recebi, com alegria, a aprovação ontem da volta dos bingos pela CCJ da Câmara dos Deputados. Não que seja apreciador. Ao contrário, não tenho prazer em jogo, não jogo e jamais compareci a uma dessas casas. Mas não admito restrições à liberdade de escolha individual. E, em pleno século XXI, ela segue sendo perseguida por lendas, hipocrisias e falsidades que deturpam a discussão do tema no Brasil, com argumentos frágeis e inconsistentes.

A convivência com o risco é parte da natureza humana. Uns são mais propensos, outros menos. Tais pendores são características da personalidade de cada qual, e não derivam de sua formação ou ambiente em que se desenvolveu.

Sob o ponto de vista dos direitos e liberdades fundamentais, não há diferenças entre o que investe em operações de Bolsa, o que aposta nas patas de um cavalo ou tenta a sorte em máquinas recreativas, o que cria uma nova empresa ou o que joga num cartão da loteria do dia da Caixa Econômica Federal. Estão exercendo a livre disposição sobre seus bens, direito de todos os cidadãos. E mais, na expectativa da vitória, na busca da felicidade que a fortuna possa trazer.

Não cabe ao Estado tutelar ou limitar a felicidade de cada qual, muito menos determinar como o cidadão deve exercer o direito a ela, ou ao risco sobre seu patrimônio. Tomar riscos, tanto quanto demandar o próprio bem-estar é, também, direito de todos. Corrê-los, na medida de suas posses, e arcar com eles, são opções pessoais, que devem ser respeitadas.

O risco, o jogo, a aposta, a procura da felicidade e da prosperidade, o prazer e a emoção são tendências e movimentos inerentes ao gênero humano. De nada adiante tentar cerceá-los com medidas e providências governamentais, supostamente virtuosas, de caráter proibitivo e persecutório. Elas sempre fracassarão. Os governos e religiões jamais conseguiram conter os impulsos da humanidade, nunca dominaram os instintos e a natureza.

domingo, 2 de agosto de 2009

DISLATES

Confesso minha ignorância. Não a conhecia, mas fiquei encantado. A palavra dislate ostenta 65 sinônimos no Dicionário Eletrônico Houaiss. Por falta de tempo não fiz a pesquisa, mas muito poucos termos da língua portuguesa devem apresentar número parecido de sinonímias. Para facilitar o entendimento vou relacionar alguns significados mais comuns: asneira, babaquice, baboseira, besteira, bobagem, burrice, despautério, despropósito, disparate, estultice, estupidez, necedade, palermice, parvoíce, tolice, etc. Restam outras 50 acepções com idêntico sentido.

A matéria de hoje trata de dislates lingüísticos, nacionalistas ou politicamente corretos. E, por incrível que pareça, as duas vertentes são avenidas de mão dupla. Tanto tentam evitar importações lógicas e naturais, quanto às estimulam no que é esdrúxulo e desnecessário.

A primeira de tais imbecilidades diz respeito a legislações que vem sendo aprovadas localmente, como no Paraná e na cidade do Rio de Janeiro. Visam impedir o uso de palavras estrangeiras em propaganda comercial ou, no mínimo, que venham acompanhadas da respectiva tradução. Em nível federal o monopólio de tal asnice, já há algum tempo, é do deputado Aldo Rebello (PCdoB-SP). Nada mais idiota. Se a palavra "sale", liquidação, não fosse conhecida dos clientes, os comerciantes não a usariam, pois não se fariam entender. O objetivo da dona de “boutique” (lojinha em português) ou do “restaurant” (casa de pasto no vernáculo) não é entregar a língua aos estrangeirismos, mas simplesmente aumentar suas vendas. E nem se fala dos termos em inglês que nos chegam de modo avassalador pela Internet. Muito menos dos milhares de palavras que apresentam raízes alienígenas em nosso linguajar coloquial. Anglicismos, galicismos, espanholismos, tupi-guaranismos etc. foram sendo absorvidos, naturalmente, pela língua portuguesa falada no Brasil ao longo dos cinco séculos de vida nacional.

Entretanto, recentemente, certas falanges vêm importando e nos impondo modismos politicamente corretos, que nada tem que ver com nossos hábitos e intimidade linguística. Negão, crioulo e mulato, tão cordiais, passaram a ser termos racistas e ofensivos, sendo substituídos pelo mais que norte-americano afro-descendente. Esse tipo de trasladação é admitido e estimulado pelos mesmos círculos ideológicos que querem proibir palavras em inglês na publicidade do dia-a-dia.

Assim também, a configuração masculina ou feminina de alguém passou a ser chamada gênero ao invés de sexo, como sempre foi. Hoje, é politicamente correto dizer-se que tal indivíduo é do gênero masculino. Ora, em nossa língua gênero têm as palavras, não os seres humanos. O maneirismo é sacado do bolso do mesmo colete norte-americano, que tem usado "gender" (gênero em português) para definir sexo ou identidade sexual.

As práticas politicamente corretas constituem uma das mais nefastas tiranias com que se pode conviver: o fascismo comportamental. Ele objetiva transformar os que não o seguem em párias sociais, tanto quanto, praticamente, já conseguiram com os fumantes, e seguem tentando com os apreciadores de bebidas alcoólicas. Por acaso, duas confrarias às quais me orgulho de pertencer.

Nunca, na história deste país, se viram tantos dislates do tipo como agora. Seja o nacionalismo lingüístico, seja o internacionalismo politicamente correto. São farinhas de igual saco, vinhos de uma só pipa, produtos do mesmo penico cultural.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

TERRORISMO REGULATÓRIO

Inacreditável, e absurda, a matéria de O Globo, de 29 de julho, sobre multas que o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, vinculado ao Ministério da Justiça, pretende impor a duas empresas de telecomunicações no montante de R$300 milhões para cada uma.

Na tarefa juntaram-se, em autêntico Exército Brancaleone, Procons, Ministérios Públicos federais e estaduais, procuradorias, advocacias e, como sempre, ditas entidades da sociedade civil. O pretexto é proteger direitos coletivos, mas o objetivo engordar o caixa do Fundo de Direitos Difusos, em que se cevam essas e outras entidades.

As informações contidas na reportagem, ao contrário do pretendido, são autêntico atestado da satisfação dos usuários de telecomunicações com os serviços que lhes são prestados.

Os órgãos de defesa do consumidor receberam, em oito meses de vigência da nova regulação sobre “call centers”, cerca de 6.000 reclamações. Dessas 57% oriundas de serviços de telecomunicações, portanto não mais do que 3.420 queixas.

Grosso modo há cerca de 200 milhões de telefones em operação no Brasil, dos quais 150 milhões de celulares e 50 milhões de números fixos. Ora, 3420 reclamantes representam, somente e tão somente, 0.0017% dos usuários de telefonia no Brasil. Esse número, sem qualquer dúvida, é estatisticamente desprezível.

Existe um princípio em direito que identifica o silêncio como manifestação de vontade, ou aceitação. Ele se origina do adágio popular segundo o qual quem cala consente. E, muitas vezes, apesar de sua mudez, o silêncio se torna eloqüente. Quando 99.9983% dos usuários de determinado serviço não se queixam do mesmo, significa caloroso assentimento tácito, ou seja, a prestação devida, contratualmente, vem sendo executada de modo satisfatório.

Há, ainda, outro ponto em que se verifica a desimportância das querelas suscitadas. Foram 3.420 queixas em oito meses, que significam 240 dias. O produto da divisão indica 14 reclamações por dia. Como são 23 Procons em todo o Brasil, isso quer dizer que cada órgão, com suas estruturas de procuradores, atendentes, secretárias, telefonistas, computadores, telefones e demais parafernália do gênero atendeu a média de 0,60 queixas de clientes de telefonia por dia. Menos de uma em cada 24 horas. O número põe em séria dúvida a necessidade de existência de tais entidades.

Outro princípio de direito que deve ser levantado é a chamada “dosimetria da pena”, i. e. proporcionalidade e razoabilidade da mesma em relação ao dano causado. A multa de R$300 milhões para cada operadora é incomensuravelmente desproporcional ao eventual mau atendimento de 0.0017% dos usuários de telefonia.

A perspectiva da mega-punição parece atingir alguns objetivos:

1- Do Ministro da Justiça, candidato confesso ao governo do Rio Grande do Sul, que se exibe brandindo a espada de anjo exterminador, paladino de causas pretensamente sociais;
2- Dos Procons, que com isto justificam suas raquíticas existências;
3- Da arrecadação para-fiscal, que entope as burras federais, em tempo de queda de receitas e carga tributária insuportável;
4- Do estatismo vigente, que sempre tenta emparedar e constranger a iniciativa privada, em sua ânsia de tudo controlar na economia.

Aos amantes da liberdade resta confiar na Justiça, última esperança de conter delírios de governos dominadores.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

CORPORAÇÕES & CORPORATIVISMO - 3

Retorno, ainda, pela última vez por ora, ao assunto das corporações e suas mazelas. Como já examinei nas duas matérias anteriores, o objetivo de qualquer corporação é a defesa e aumento de privilégios para seus membros e conseqüente redução da competição. A regulamentação de profissões, iniciada por Getúlio Vargas em busca de apoios políticos na sociedade, foi sempre a principal trincheira do corporativismo. Deixo para outra ocasião o corporativismo nascido em órgãos e empresas governamentais. É assunto que demanda quase um tratado, e não cabe nestas breves linhas.

Há exemplo clássico e atualíssimo de tentativa de cercear competição promovida por órgão classista. Sob o manto de proteger a reputação da atividade e, eventualmente, seus usuários, a Ordem dos Advogados do Brasil promove um exame draconiano que rejeita, anualmente, 90% dos recém-formados candidatos ao exercício da profissão. Aqueles menos preparados seriam naturalmente repelidos pelo mercado, mas seguiriam disputando um lugar ao sol. É notório que existe uma pletora de diplomados em direito. Mas porque não deixá-los prosseguir? A única justificativa plausível é a tentativa de redução da competição que, com seus exames, a OAB se encarrega de promover, preservando a seara de seus membros anteriores.

Outro aspecto da estrutura corporativa diz respeito ao custo da formalização profissional. Para cada atividade regulamentada criam-se, imediatamente, conselhos, federais e regionais, confederações, federações e demais organismos que constituem sólida burocracia corporativa. Tais organismos se nutrem do Imposto Sindical e de contribuições obrigatórias dos associados para que possam exercer, legalmente, sua respectiva profissão. Trata-se de um arcabouço para-fiscal, até porque essas castas usam as Armas da República em seus timbres, cujo ônus jamais foi medido. Se o fosse, certamente, a carga tributária que suportamos subiria alguns pontos percentuais.

O aparato judicial está principiando a desconstrução de tais excrescências. Primeiro passo foi dado com a desnecessidade da apresentação de diploma para exercício de jornalismo. Lógico, a habilidade de ser repórter ou articulista não se mede pela exibição de um papelucho obtido em faculdade de fundo de quintal. A arte não pode ser medida por aspectos formais. Ser escritor, poeta, pintor, escultor, ator ou músico independe de currículos escolares. Michelangelo, Da Vinci, Shakespeare, Bach, Beethoven, Hemingway, Churchill, João Caetano, Machado, Eça, Bilac, Bandeira, Drummond, Amado, Bernardelli, Segall, Portinari, Tom, Vinícius, Fernanda Montenegro, Chico, Gil, Caetano, Roberto Carlos e tantos milhares de sumidades dificilmente poderiam apresentar atestados formais de suas habilidades artísticas. E nem precisaram, ou precisam, suas qualidades universais foram reconhecidas pelo mercado.

A propósito, no Globo de hoje há notícias que, na esteira da decisão sobre jornalismo, a Procuradoria Geral da República impetrou medida no STF. Visa derrubar a Lei 3857/60, solenemente sancionada por JK ao apagar das luzes de seu mandato, que regula a profissão de músico e cria a Ordem dos Músicos do Brasil, com Conselho Federal e tantos estaduais quantas forem as unidades federativas. A leitura da lei chega a repugnar, de tão ridículas inutilidades. Na matéria, o presidente da entidade federal revela que tem 800.000 associados, dos quais arrecada R$100,00 por ano, no inacreditável montante de R$80 milhões. Para quê? Fica a pergunta.

Na contramão da história, o Congresso acaba de aprovar a regulamentação da profissão de Moto-boy, da qual, brevemente, teremos um Conselho Federal e diversos pelegos vivendo, à tripa forra, das contribuições obrigatórias desses sofridos e suados trabalhadores.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

ACRJ - 200 ANOS - UMA NOTA

Transfiro para amanhã o derradeiro comentário sobre Corporações & Corporativismo. Hoje, outro evento falou mais alto. Os 200 anos da Associação Comercial do Rio de Janeiro, comemorados com a pompa e circunstância devidas. O Jornal do Comércio publicou suplemento que louva o fato incomum. Afinal de contas, dois séculos não são dois anos, nem mesmo duas décadas.

Entretanto, nem nas folhas do JC, nem nas edições dos historiadores que narraram as peripécias da ACRJ, como Heitor Beltrão ou Herculano Gomes Matias, são descritas com a acuidade devida as origens e finalidades primordiais daquele organismo.

As diversas nomenclaturas lusófonas de seus primeiros anos, Corpo do Comércio, Praça do Comércio, Sociedade dos Assinantes da Praça e por fim Associação Comercial, apenas ocultavam o objetivo último da entidade: ser uma Bolsa. E como em suas congêneres européias nelas se transacionavam commodities, seguros, fretes e papéis. As especializações vieram muitas décadas depois.

O resultado final do Alvará Régio de 15 de julho de 1809, agora comemorado, foi a construção da primeira sede da Praça do Comércio, o imóvel em que hoje está a Casa França Brasil, do risco de Grand Jean de Montigny. Os croquis e plantas preservados na Biblioteca Nacional, não deixam margem a qualquer dúvida. Em todos o autor se refere ao prédio como “La Bourse”, ou seja, a Bolsa do Rio de Janeiro.

Assim também, já em fins do século XIX, o edifício onde atualmente está o Centro Cultural do Banco do Brasil foi sede da Associação Comercial do Rio de Janeiro, projetado especificamente para local da Bolsa do Rio. Sob a imponente rotunda do saguão principal, preservada, a Bolsa se reunia em suas sessões diárias.

A construção do prédio durou décadas e há um episódio que reforça os vínculos que mencionei. Em fins dos 1870, D. Pedro II retornava de viagem à Europa, e lhe foi preparada grande recepção com cortejo que transitou pela Rua 1º de Março. Ao passar em frente à obra inacabada, o Imperador comentou com seus acompanhantes: “Preferia que a importância gasta com esta festa fosse despendida na finalização do prédio da Bolsa.”

Qual família sem teto, a Associação Comercial e a Bolsa se divorciaram em 1926, quando o Banco do Brasil tomou o imóvel em pagamento de dívidas contraídas para sua edificação. A Associação se transformou em órgão mais classista do que operacional. Já a Bolsa, depois de algumas glórias, veio a naufragar num episódio especulativo de fins dos 1980.

Entretanto, a ACRJ soube preservar sua força aglutinadora. É hoje das mais prestigiadas instituições cariocas. E a única capaz de, revivendo suas raízes, construir algum tipo de mercado moderno no Rio de Janeiro, como o de créditos de carbono, sugerido pelo novo presidente José Luiz Alquéres.

Deus dê longa vida à Associação Comercial do Rio de Janeiro.

terça-feira, 14 de julho de 2009

CORPORAÇÕES & CORPORATIVISMO - 2

Nos primórdios do século XIX o liberalismo transbordava da cultura ocidental. Não havia mais lugar para as proteções e o exclusivismo corporativista. D. Pedro I absorveu
tais tendências e, ao outorgar a Constituição Imperial de 1824, estabeleceu os princípios econômicos do novo regime. O artigo 179 tratava dos direitos civis dos cidadãos do Império e nele os incisos 24 e 25 estatuíam com grande clareza:

“24-Nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança e saúde dos cidadãos;
25-Ficam abolidas as Corporações de Ofícios, seus Juízes, Escrivães e Mestres.”

As corporações, que pretendiam engessar a economia pela redução da competição, ficavam banidas da vida brasileira, para só retornar mais de um século depois, sob a égide de Getúlio Vargas. De modo geral, assim foi em todo o Ocidente, ao longo dos anos 1800.

Entretanto, em 1891, um evento marcante iria relançar as sementes do corporativismo. Naquele ano, o Papa Leão XIII expediu a encíclica “Rerum Novarum”, célula mater da Doutrina Social da Igreja. No texto era feita enfática defesa do retorno das corporações como forma de proteção aos trabalhadores, ali descritos como submetidos à concorrência desenfreada.

O fascismo era movimento de massas puramente autoritário, sem qualquer raiz filosófica, tanto quanto o atual “bolivarianismo” chavista. Por isto, Benito Mussolini agarrou-se com unhas e dentes ao corporativismo suscitado pela Doutrina Social da Igreja. A adesão foi mero biombo para obter algum respaldo teórico. Mas, inacreditável, deixou seguidores além-mar, alguns importantes em terras brasileiras.

O primeiro desses simpatizantes, nos anos 1930, foi Plínio Salgado, chefe (führer) do integralismo, versão cabocla e caricata do fascismo, que pretendia desenvolver no país uma sociedade fundada no corporativismo. O segundo Getúlio Vargas que, dissimulado e maquiavélico, subtraiu-lhe as idéias e implantou de fato as raízes corporativistas no Brasil do século XX. Delas, até hoje, não conseguimos nos libertar. Os dois eram líderes, mas milhares de seguidores continuaram sua obra.

A construção fascista e corporativista de Vargas principiou com o estabelecimento de institutos de pensões e aposentadorias por categorias funcionais. Adiante surgiu a regulamentação de profissões, com o estabelecimento e oficialização dos conselhos respectivos. O passo seguinte foi a criação de organismos que regulavam a economia de determinas atividades empresariais. Assim surgiram os institutos do açúcar e álcool, do sal, do café, do mate, etc., além de toda autoridade transferida a confederações, federações, sindicatos de patrões e empregados e a outorga de ingerência na construção da Justiça do Trabalho, símbolo do corporativismo republicano. No entanto, a mais nefasta das concessões corporativas foi a estabilidade funcional vitalícia dos funcionários públicos.

Mesmo quando o país consegue extinguir algum desses órgãos, ou colocar uma cunha em direitos absurdos, eles ressurgem qual Fênix e seguem fazendo mal ao Brasil. Os 15 anos da ditadura absolutista de Getúlio Vargas foram um câncer que continua espargindo suas metástases na sociedade brasileira.